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Tupinambá

Durante décadas, a identidade indígena dos tupinambá do Baixo Amazonas sofreu um apagamento. Os indígenas tinham medo de identificar sua etnia, manifestar práticas culturais e se comunicar na língua tradicional, o Nheengatu, conhecido como língua geral amazônica. Foi durante o processo de criação da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, nos anos 1990, que essa identidade indígena foi resgatada.

 

A Resex acabou sendo estabelecida em 1999, mas desde então, os tupinambá vêm fortalecendo seu reconhecimento enquanto povo indígena dentro da unidade de conservação. A partir de 2017, eles começaram um processo de autodemarcação de seu território, abrindo picadas no meio da floresta para delimitar as fronteiras das aldeias.

 

Atualmente, são mais de vinte aldeias do povo Tupinambá dentro da Resex. O projeto Álbuns Originários visitou quatro delas, na companhia da coordenadora geral do povo indígena, Raquel Tupinambá, e mergulhou nas memórias de suas famílias.

 

Entre os povos visitados para o projeto, os Tupinambá são os que tiveram acesso à fotografia mais recentemente, devido à distância entre as aldeias e o centro urbano de Santarém. Fotografias anteriores à década de 1990, portanto, são raras nos álbuns das famílias visitadas.

Fotografia em preto e branco mostra vista do rio Tapajós a partir da aldeia Muratuba, na TI Tupinambá. A vista do rio é contornada por folhas de diferentes árvores, que parecem formar o mapa do Brasil.
Moradores da aldeia Santo Amaro enfileirados diante de uma alta Sumaúma. Eles estão olhando para cima.
Mãos mostram um mapa colorido da autodemarcação da Terra Indígena Tupinambá. No mapa, diversos pontos vermelhos marcam as aldeias da Terra Indígena.
Redes de pesca estendidas em varal na aldeia Jauarituba, TI Tupinambá na Resex Tapajós Arapiuns
Casa de madeira na aldeia Jauarituba. Atrás de uma mesa de madeira com um galão de água, uma bandeira imitando as placas de Terra Protegida da Fundação Nacional do Índio
Três crianças carregam um tronco para montar campo de futebol na aldeia Jauarituba
Três meninas Tupinambá com roupas coloridas correndo em frente à igreja da aldeia Santo Amaro. Um cachoror preto acompanha as meninas e outro, branco, está deitado diante da igreja. Na lateral da igreja, há pés de bananeira e duas bicicletas.
Meninas Tupinambá em frente à igreja da aldeia Santo Amaro, na TI Tupinambá

Constância Rocha Marinho

Várias fotos antigas e porta retratos da família de Constância sobre uma toalha de mesa. No porta retrato da direita há uma foto de seu neto Lucas, vestindo uma roupa de papai noel. Sobre essa foto há uma foto 3X4 também de Lucas.

Constância Rocha Marinho tem 63 anos e vive em uma casa construída a poucos metros da antiga casa de seus pais, na aldeia Santo Amaro. Mas ela não morou a vida toda na aldeia. Aos 13 anos foi para Santarém trabalhar como empregada doméstica. Hoje, ela tem consciência de que trabalhava em regime análogo à escravidão. “A gente apanhava dos outros, trabalhava noite e dia e não ganhava nada”, lembra. Ela estudou apenas até a terceira série. Hoje, seu neto, Lucas Tupinambá, cursa ciências políticas e faz parte da coordenação do Conselho Indígena Tupinambá.

“A gente era um povo escondido, não podia se identificar para qualquer pessoa. Muitas palavras indígenas a gente largou de falar porque falavam que era errado. Mas quem é filho de Tucunaré, é tucunarezinho, quem é filho de índio, é índio. Nós nascemos aqui, somos indígenas e indígenas morreremos” -  Constância Rocha Tupinambá

Retato aproximado do rosto de Constância Rocha Marinho. Ela veste colares de miçanga.
Constância Rocha Marinho e filho, Lucas, se abraçam sentados em um sofá na sala da casa de Constância. A casa é toda colorida.

“Naquele tempo era mais difícil tirar foto, quando tirava era só para documento que tinha acesso. Aí as fotos que têm são mais recentes. Antes nossas correspondências eram bilhetes. A gente não tinha barco, ia de canoa, passava uma semana para ir para a cidade. Aí depois surgiu o barco de linha, e quem tinha mais condição, mandava os filhos para estudar" - Constância Rocha Marinho

Foto em preto e branco mostra Constância apontando para foto dos netos que foi colocada entre as táboas de madeira que formam as paredes de sua casa.
Foto em preto e branco mostra Constância segurando um casco de tartaruga. Atrás dela, outro casco repousa sobre um telhado.

Naide Rodrigues dos Anjos

Várias fotos da professora Naide Rodrigues dos Anjos dispostas umas sobre as outras. Na maioria delas, há crianças, seus alunos. Em uma das fotos mais abaixo, vários meninos enfileirados usam adereços indígenas como cocares e colares.

Naide tem 49 anos e nasceu na aldeia Muratuba, mas se mudou para a Santo Amaro em 1997, para trabalhar como professora na escola da aldeia. Vive com seu marido, Janervânio. Em 1999, ela comprou uma câmera analógica e passou a tirar fotos dos alunos e das atividades escolares. Ela é quem tem mais álbuns de fotos na aldeia.

Naide e o marido, Janervânio, posam abraçados na sala de sua casa, ao lado de uma grande caixa de som. Na parede de madeira, vários quadros e fotografias emolduradas. Diante do casal, um tapete escrito "paz"

Rosina Rodrigues Braz

Fotografia panorâmica foca em uma polaroide sendo segurada ao centro. Na polaroide há uma mulher sentada sobre troncos cortados. Atrás, à direita, é possível ver uma senhora de óculos desfocada e ao lado esquerdo, uma menina sentada em uma cadeira, também em desfoque.

Rosina tem 78 anos. É a caçula dos nove filhos de Flaviano e Teodora Rodrigues Braz. Sua família vivia na aldeia Jauarituba, e ela se mudou para a Santo Amaro quando se casou. Rosina conta que nunca achou que fosse se casar, e os irmãos diziam que ela tinha que “arrumar homem” para não ficar sozinha. Acabou se casando com Miguel Braz, uma grande liderança tupinambá. Miguel foi um dos primeiros coordenadores do Conselho Indigenista Tupinambá Arapiuns. Ele faleceu em dezembro de 2020, e desde então Rosina vive sozinha. É mãe de Janervânio, que também vive na aldeia Santo Amaro.  

Dona Rosina Rodrigues Braz sentada em uma rede na sala de sua casa, na aldeia Santo Amaro. A sala é toda colorida e as roupas que Rosina veste também.
Rosina Rodrigues Brás sentada na mesa de sua sala apontando para um álbum de fotografia que descansa sobre a mesa. Atrás, sua neta observa a câmera, de pé e apoiada em uma parede.
Fotografia preto e branca de Rosina mostrando sua casa. As paredes são de madeira e há diversos panos de prato com imagens infantis pendurados, bem como quadros religiosos e com montagens de fotogorafias. Ao seu lado, uma mesinha com buques falsos. Rosina veste um chinelo no pé direito e uma bota preta no esquerdo, por conta de uma deficiência.

Cacica Delcineia e
pajé Salustiano

Fotografia colorida de Salustiano pescando em uma canoa no rio Tapajós, vestindo apenas um shorts jeans e um chapéu. Sobre a foto está uma pasta verde de documentos com rasgos e ranhuras. Ambas estão sobre uma mesa de madeira.

Delcineia é cacica da aldeia Jatequara. É filha de Salustiano, pajé da aldeia, que conhece muitas histórias de encante da região. A família encontrou apenas duas fotos antigas nas suas pastas de documentos. Na escola da aldeia, no entanto, fotos recentes, tiradas com celular, mostram a produção de farinha de mandioca.

Retato do rosto do Pajé Salustiano na aldeia Jatequara. Ele é idoso e nos seus olhos há início de catarata.
Neta do pajé Salustiano, uma criança de cerca de 7 anos de idade, segura e olha atnetamente para a foto do avô pescando. Na frente, em desfoque, o avô procura outras fotos em uma pasta de documentos.
Foto em preto e branco mostra família de pajé Salustiano durante processo de curadoria das fotografias. Ele está sentado em uma cadeira de plástica ao centro, e estende a mão pedindo para segurar algo. Atrás dele, duas moças estão sentadas em um banco de madeira, e um bebê sentado no chão. Do lado direito da imagem, sua esposa olha a cena, de pé, e outra mulher segura um bebê no colo. Todos estõa na varanda da casa de madeira.
Esposa do pajé Salustiano serve café sobre uma mesa de madeira. Atrás dela, o pajé está sentado em uma cadeira de plástico, e atrás dele, duas mulheres estão segurando bebês.
Colagem com fotos impressas em papel sulfite de de moradores da aldeia Jatequara fazendo farinha de mandioca. As fotos ficam na escola da aldeia. Nas fotos há uma marca d'água do celular Motorola.

Remildes Vasconcelos Gomes e
Orivaldo Caetano Gomes

Página do diário da professora Remildes Vasconcelos Gomes. Na página há uma foto em 3X4 dela colada sob o título: "Minha história de vida profissional na escola municipal de ensino fundamental Nossa Senhora de Fátima". Ao lado da foto, Há o início do texto do diário.

Remildes e Orivaldo têm 62 anos, quatro filhos e 16 netos. Ela é professora na aldeia Jauarituba, e tem um projeto de diário no qual escreve sua história e a história da aldeia. “Gosto de cantar, rezar e lecionar” escreveu em uma das páginas. A maior parte das fotos que guarda são 3X4s da sua família. 

"O território é importante porque nos traz permanência. A gente vive da mandioca, do pescado, da caça, a gente bebe o tarubá, o mingau de farinha. Comemos uchi, abacaxi, afinal de contas, sempre estivemos aqui. Aprendemos aqui. Me sinto feliz de estar nessa terra, me sinto muito grato. Somos indígenas e a gente acredita muito nesse resgate" - Orivaldo Caetano Gomes

Remildes Vasconcelos Gomes sentada em cadeira de balanço na sala de sua casa. Ao seu lado há uma mesa com uma toalha de pimentas coloridas e, sobre a toalha, dezenas de fotos 3X4 de familiares, arranjadas uma ao lado da outra.
Orivaldo, marido de Remildes, sentado em uma cadeira de plástico diante da mesa da sala na casa do casal, na aldeia Jauarituba. Ele estende o braço e parece estar dizendo algo. A sala é repleta de plantas.

Lucicleia de Melo Vasconcelos

Foto colorida bastante deteriorada com manchas amarelas mostra quatro moças enfileiradas. As duas do meio usam faixa de miss e vestidos. As moças nas pontas, usam calças e camisetas. Ao fundo, várias pessoas estão sentadas em uma platéia.
Lucicleia sentada em uma rede na varanda de terra batida de sua casa, folheando um álbum de fotos.

Lucicleia é irmã da professora Remildes. É ela quem guarda a maior parte dos álbuns de fotografia da aldeia Jauarituba.

Maria de Jesus dos Santos Silva

Mão enrugada de Maria repousa ao lado de um álbum de fotografias aberto entre duas páginas. Na página de cima há uma fotografia de quatro crianças abraçadas. Na página inferior, há uma fotografia de uma mulher sentada em uma cadeira de madeira, e duas fotografias menores, uma 5X6 e uma 3X4, de um homem e de uma mulher.

Maria e Hipólito são casados há 54 anos. Ele já foi cacique da aldeia Muratuba e também integrou a coordenação do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns. Maria tem orgulho de ser tupinambá e bate a mão no peito para dizer que vive da sua cultura tradicional.

Pernas de Hipólito e Maria debaixo de uma mesa de madeira. Sobre um banquinho baixo há uma galinha ciscando. O chão é de terra batido.
Janela da casa de Maria, onde é possível ver duas redes penduradas. Na parede de fora há um porta retrato com moldura dourada pregado.
Maria de Jesus dos Santos Silva segura e mostra foto do marido Hipólito Silva. Ao seu lado, seus dois netos, crianças, observam a cena.

 “Na mesa do branco não sai uma tapioca, uma farinha, como nós comemos por aqui, um beijú, só sai coisa de branco. Nós sempre nos criamos aqui, cuidamos dos nossos filhos aqui. Eu sempre digo para todos aqui, o índio tupinambá é o que mais anda, mas ele volta quando o pai Tupã retorna ele para voltar para a terra dele, onde foi plantado o umbigo e a placenta dele" - Maria de Jesus dos Santos Silva

Maria segura na mão parte da cortina de conchinhas que divide sua casa. A casa é toda pintada de azul.
Foto focada nas mãos de Maria segurando um álbum de fotos da família
Maria folheia álbuns de fotos da família.
Foto focada nas mãos de Maria enquanto ela folheia um álbum de fotos de sua família.

Rosivethe Castro Fernandes

Três quadros pendurados em uma parede de madeira mostram fotos de crianças. Nos quadros da esquerda e da direita, há molduras com o escrito: Rafael F dos Anjos, 2007, 17 anos. São fotografias do filho de Rosivethe, que faleceu com esta idade. Abaixo dos quadros há um par de chinelos e um par de chuteiras que pertenciam à Rafael.

Rosivethe é professora aposentada. Começou a trabalhar em 1985 e viveu com seus alunos o resgate indígena e a demarcação da Resex Tapajós Arapiuns. Ela guarda um álbum de fotografias que lhe foi presenteado pelo sociólogo Florêncio Almeida Vaz, quando ele visitou as aldeias tupinambá para sua pesquisa de mestrado, em 1996.

“Eu não tenho uma foto minha de quando eu era pequena, era muito difícil. Meus filhos já têm. Eu não sei nem como eu era quando eu era pequena. Quando diziam que minha filha se parecia comigo pequena, eu não sei, não sei se eu era assim. [Hoje], todo mundo pode fazer um registro e tu pode fazer uma avaliação de como era antes. Já fazia dias que eu não olhava isso aqui [o álbum]. Hoje, a gente percebe a diferença no lago, a gente fazia antes uma cerca com palha pra jogar mandioca dentro. Hoje é diferente, todo mundo já tem uma caixa d’água e já coloca a mandioca lá dentro. A importância do registro é ver essa diferença" - Rosivethe Castro Fernandes

Rosivethe posa segurando um álbum de fotos diante das paredes de madeira pintadas de verde da sua csa.
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