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Borari

O povo Borari vive nas margens dos rios Tapajós e Maró-Arapiuns. Desde 1738, a partir da missão do padre jesuíta Manuel Ferreira, parte do povo passou a habitar a aldeia de Alter do Chão, distrito do município de Santarém. Em 2008, a Funai começou o processo de identificação da Terra Indígena Borari de Alter do Chão. Desde então, o processo de demarcação encontra-se paralisado. 

Desde os anos 1970, com a abertura da estrada entre Santarém e Alter do Chão, a aldeia vem se tornando um dos principais destinos turísticos da Amazônia. Por conta de suas praias de águas cristalinas, Alter é conhecida como “Caribe Amazônico”.

Atualmente, o crescimento urbano irregular da vila é uma das principais ameaças ao modo de vida tradicional dos borari, que até hoje mantêm roçados e celebram festas tradicionais como o Festival Borari e o Çairé, uma das manifestações religiosas mais antigas do país. Símbolo do sincretismo entre a religiosidade indígena e a católica, o Çairé resiste há mais de 300 anos.

Alter do Chão tem atualmente 12 mil habitantes, 2 mil deles pertencentes ao povo Borari, de acordo com informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Nos últimos anos, o avanço do bolsonarismo tem alimentado manifestações que negam a existência de indígenas Borari em Alter do Chão.

O projeto visitou três famílias Borari que confiaram a intimidade de sua história por meio de seus álbuns fotográficos.  

Maria Luciene Gama Santos

Papel com pequenas fotografias coladas de Maria Luciene Gama Santos em diferentes fases da sua vida

Luciene tem 68 anos e é professora aposentada. Ela nasceu em Belterra e se mudou para Alter em 1972, para dar aula na escola Dom Macedo Costa. Sua avó, Lina, era indígena Borari. Já foi Conselheira de Saúde, participou da fundação do Sindicato dos Professores de Santarém, do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns. Também trabalhou na Casa da Mulher Rural e na Rádio Rural de Santarém. É mãe de cinco filhas e um filho, fora os filhos de consideração. Está aposentada há 15 anos e trabalha com mudas e medicina tradicional no espaço que construiu no seu terreno, o Katumawa Iwy, que em Nheengatu, significa "saúde da terra".

Foto preto e branca de Luciene em seu viveiro de plantas. O espaço se chama Katumawa Iwy, Nheengatu para "Saúde da Terra"

“A minha avó não sabia ler mas sabia fazer um parto, um xarope, chá, cataplasma, para vários tipos de doenças que apareciam. E ela ajudavam muitas pessoas. Era Lina o nome dela. Chegavam: “Dona Lina, tem alguém ali que está precisando”. Ela deixava o que estava fazendo e ia ajudar. Eu já fiz isso muitas vezes também, fui conselheira de saúde por 12 anos".

Foto em preto e branco de Luciene procurando fotos em sua caixa de lembranças

"Antes eu não me identificava como indígena, até porque eu via os que se identificavam sendo discriminados. Então ficava com esse receio". 

Nalva, Vandria e Nilva Borari

Foto colorida em tons desbotados mostra Davi, um dos filhos caçulas da família, com 9 anos, sentado na areia na praia do Lago Verde, em Alter do Chão. Atrás, a canoa da família, "arcona"  -  Fotografia de 1992

Uma família com sete filhas mulheres, 11 filhos no total. Vandria é ceramista e bacharel em Direito. Nilva é estudante de antropologia e Nalva trabalha com turismo. A família cresceu frequentando o Çairé, festival tradicional religioso do povo Borari de Alter do Chão. Durante muito tempo, a família toda trabalhou na barraquinha da mãe, dona Ramira, vendendo comida e bebida nas praias de Alter.

Fotografia em preto e branco mostra as mãos de Nalva Borari segurando diversos álbuns de fotos da família, ao fundo, Vandria e Nilva veem fotos juntas
Fotografia em preto e branco mostra, da esquerda para a direita,Vandria, Nilva e Nalva Borari, dando risada enquanto resgatam os álbuns de fotos da família
Fotografia em preto e branco mostra torço de Nilva, em pé, folheando álbum de fotografias, e Nalva Borari, sentada, dando risada
Foto colorida mostra  mãos de Nilva e Nalva Borari segurando e folheando álbuns de fotografias

“Muitas das fotos que nós temos eram tiradas pelos turistas que vinham de fora, naquela época, nos transatlânticos. Até que o papai começou a trabalhar fora e comprou uma câmera daquelas que revela na hora, por isso a Vandria já tem foto dela pequena. Existe uma história de Alter do Chão antes da abertura da estrada e uma história após a abertura da estrada. A gente não tinha fotos antes. Quando você mora em um local, você é acostumado com a água, as árvores daquele local. Hoje já tá tudo estranho para a gente.  A gente lembra de muita coisa boa, como andar na areia roncava, lavar roupa no rio. " - Nilva Borari

“A gente era cunhatã, menina, rolava na areia em frente à Ilha do Amor. A gente lembra de estar na beira do rio, quando não tinha orla, a água enchia, vinha até a porta de casa, tomava banho, a gente não se importava. Aquela coisa que meus filhos não tiveram, hoje tá tudo diferente, tudo mudado - Nalva Borari

Osmar Borari

Página de jornal antigo mostra fotografia de Dona Severiana de Jesus, bisavó de Osmar, em matéria sobre o Çairé - Jornal O Tapajós, em 1983

A família de Osmar é uma das mais tradicionais famílias borari de Alter do Chão, e sua linhagem está diretamente conectada à festividade do Çairé e à manutenção das tradições indígenas da região. O Çairé foi proibido por 30 anos, a partir de 1943. Quando ele foi retomado, a bisavó de Osmar, conhecida como Chivica, foi uma das principais responsáveis pelo resgate. Ela ensinou as pessoas a dançarem, cantarem e tocarem curimbó. Osmar é hoje juiz do Çairé. Ele é casado com Rosana, que é filha de uma indígena Munduruku da Floresta Nacional do Tapajós.

“Eu lembro quando a gente era bem pequenino que vinha turista de navio e tirava foto. Essa aqui, polaroide, é do tempo de turista. Tiravam e davam para a gente. A gente ficava feliz, alegre, porque não via foto antes” - Osmar Borari

Fotografia em preto e branco mostra dorso de Dona Dalva, mãe de Osmar, apontando para jornal antigo durante curadoria de fotos
Fotografia em preto e branco mostra família de Osmar. Na esquerda, sua irmã e sobrinha, ao centro, sua mãe e filhos, e à direita, ele e sua esposa Rosana. Fotografia tirada durante processo de curadoria de imagens para o projeto.

"Minha avó, Chivica, obrigava todos os netos a saberem as histórias sobre Alter do Chão. Ela contava que nosso povo era Borari e que a pena da nossa família era azul e vermelha. Ela dizia que a mãe dela reunia os netos nas casas dela sempre em noite de lua cheia, fazia uma fogueira, e lá ela ia contar as histórias. Ela dizia que logo no início tinha um pai de um senhor que chamava Epifânio. Era o nome da Ilha do Amor, ilha do Epifânio. Depois virou Ponta do Meio, depois que virou Ilha do Amor. O pai do Epifânio era um pajé aqui de Alter do Chão. Quando nascia uma criança, depois do parto, chamavam o pai dele. Ele vinha lá, chegava e dava uma pena para aquela criança. Ela ficava com essa pena. Quando ela passava a ser adulto e fosse casar, ia casar com uma pessoa que tinha a pena da outra cor. Não podia casar com a pessoa que tinha a mesma pena. Pelo cocar do povo Borari se conhecia a linhagem das famílias" - Osmar Borari

Foto colorida mostra dona Dalva, mãe de Osmar, folheando jornal antigo durante curadoria de fotografias.

"As pessoas que dizem que não há povos indígenas em Alter não conhecem quem somos" - Osmar Borari

Rafael, filho de Osmar, brinca com as fotos antigas da família
Rafael, filho de Osmar, vendo fotografia polaroide antiga da família
Filho de Osmar, Rafael, brinca com as fotos antigas da família
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